Em
junho de 2020 a Reunião Brasileira de Ensino e Pesquisa em Arquivologia
(Reparq) completou dez anos de existência e o Fórum Brasileiro de Ensino e
Pesquisa em Arquivologia (Feparq) ou, como também é chamado, Fórum Nacional de
Ensino e Pesquisa em Arquivologia, nove anos.
As
seis Reparqs ocorreram respectivamente nos anos de 2010 em Brasília; 2011 no
Rio de Janeiro; 2013 em Salvador; 2015 em João Pessoa; 2017 em Belo Horizonte;
e, 2019 em Belém. A memória e os resultados desses encontros foram organizados
e reunidos em seis livros publicados e divulgados pelas universidades que
promoveram os eventos, sendo três em formato impresso (Marques; Roncaglio;
Rodrigues, 2011), (Mariz; Jardim; Silva, 2012), Matos; Cunha; Freixo, 2015), e
três em formato eletrônico (Neves; Rocha; Silva, 2016), Venâncio; Silva;
Nascimento, 2018) e (Barros; Santos Jr; Cândido, 2019). Tais obras condensam
objetivos, propostas e ações realizadas por esse fórum de docentes e
pesquisadores em prol do ensino e da pesquisa em Arquivologia no Brasil nas
duas primeiras décadas do século XXI.
Entre
7 e 9 de junho de 2010 ocorreu a I Reunião Brasileira de Ensino e Pesquisa em
Arquivologia (I Reparq), quando então já existiam 15 cursos de graduação em
Arquivologia, todos mantidos por universidades públicas das cinco regiões do
Brasil, e mais um estava em vias de ser implantado.
Os
cursos de graduação em Arquivologia começaram a ser criados a partir da década
de 1970 e ganharam maior impulso nas décadas de 1990 e 2000. Os profissionais
formados por estes cursos, e também os egressos de outras áreas afins da
Arquivologia, contribuíram para a crescente produção de dissertações e teses
com temáticas arquivísticas produzidas em diversos programas de pós-graduação,
a maioria nas áreas de História e Ciência da Informação, posto que ainda não
havia nenhum curso de mestrado ou doutorado stricto sensu na área de
Arquivologia.
A
expansão dos cursos de graduação em Arquivologia e da produção científica com
temáticas arquivísticas em nível de pós-graduação foi um dos principais
estímulos para reunir o coletivo de docentes e pesquisadores. Mesmo com acesso
à internet e várias tecnologias de informação e comunicação à disposição,
faltava o impulso humano fundamental para agregar, reunir e provocar uma
reflexão coletiva sobre o estado da arte na área acadêmica. Até mesmo, antes
disso, criar a possibilidade para que docentes e pesquisadores das diferentes
regiões do país pudessem se conhecer pessoalmente e se (re)conhecer como uma
comunidade de ensino e pesquisa em Arquivologia. Provocação feita, docentes do
curso de graduação de Arquivologia da Universidade de Brasília (UnB) tomaram
para si a tarefa de convidar coordenadores e representantes dos cursos de todo
o Brasil a se reunirem em Brasília para pensar o ensino e a pesquisa em
Arquivologia. Tal iniciativa não poderia ter mais êxito; os então coordenadores
e/ou representantes dos 15 cursos aceitaram e compareceram ao evento e
contribuíram entusiasticamente para congregar informações e ações para o
fortalecimento da área.
Aquele
momento foi fundamental para estreitar laços entre os profissionais e definir
diretrizes para um trabalho coletivo. Como bem lembrado por Rodrigues (2011),
na apresentação do livro que reuniu a memória do evento, a proposta não era
inteiramente nova, pois na década de 1990 já havia ocorrido duas reuniões
denominadas, à época, Reunião Brasileira de Ensino de Arquivologia. Todavia, em
2010, o evento ocorria “em novas bases e com uma pauta ampliada”, e “o
acréscimo do termo pesquisa ao nome não só diferenciaria o evento de outros
passados mas também nos autorizaria a considerá-lo o primeiro sem, contudo,
ignorar os esforços precedentes.” (Marques; Roncaglio; Rodrigues, 2011, p.12).
Dentre
as principais concordâncias e proposições resultantes do primeiro encontro foi,
primeiro, que as reuniões ocorreriam anualmente e seriam promovidas pelas
universidades que abrigam cursos de graduação em Arquivologia. Segundo, seria
criado um grupo de discussão virtual para manter e estimular a comunicação
entre os membros. E, terceiro, foram designados dois grupos de trabalho para
aventar a possibilidade de criação de uma associação científica de ensino e
pesquisa em Arquivologia e para estudar a criação de um curso de mestrado em
Arquivologia.
Assim,
no ano seguinte, em 2011, foi a vez dos cursos de Arquivologia da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e da Universidade Federal
Fluminense (UFF) sediarem a II Reparq. Nas deliberações, recomendações e moções
deste segundo encontro foi instalado o Fórum Brasileiro de Ensino e Pesquisa em
Arquivologia “com o objetivo de assegurar a criação e instalação da entidade
nacional de ensino e pesquisa em Arquivologia e desenvolver ações que favoreçam
o desenvolvimento do ensino e pesquisa na área. (...) Cumprido o objetivo de
criação da Associação Brasileiro de Ensino e Pesquisa em Arquivologia, o Fórum
Nacional de Ensino e Pesquisa em Arquivologia será extinto” (Mariz; Jardim;
Silva, 2012, p.512). A partir daí, também foi decidido que a Reparq seria um
evento bienal e, entrementes, ocorreria o Fórum Brasileiro de Ensino e Pesquisa
em Arquivologia, junto aos eventos profissionais da área (Congresso Brasileiro
de Arquivos e Congresso Nacional de Arquivos), a fim de que os grupos de
trabalho criados a cada evento pudessem preparar e consolidar documentos e
encaminhamentos para a Reparq seguinte.
Destaca-se
aqui alguns exemplos significativos dos avanços obtidos por esse coletivo, e
também de algumas “demoras” que merecem ser esmiuçadas em pesquisas futuras, a
partir de análises que permitam a compreensão das suas ações no contexto
econômico, social, tecnológico e político do Brasil e do mundo nessas duas
primeiras décadas do século XXI.
Dentre
os avanços, a própria agregação de docentes, pesquisadores e coordenadores de
cursos de todo o país em reuniões e fóruns científicos que já duram uma década
é o principal indicador da consolidação (e da comunicação) do ensino e da
pesquisa em Arquivologia no Brasil. A reflexão coletiva sobre questões
teóricas, epistemológicas, metodológicas, pedagógicas, políticas e
institucionais fortalece, esclarece, media e possibilita diretrizes importantes
para o desenvolvimento da área.
A
criação do primeiro curso de mestrado em Arquivologia no Brasil, e também da
América Latina, na modalidade de mestrado profissional em Gestão de Documentos
e Arquivos, na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), em
2012, foi também resultado da compreensão que para a consolidação do campo
arquivístico em programas de pós-graduação é necessário evidenciar a autonomia
da Arquivologia como área do conhecimento, criando cursos de mestrado e
doutorado stricto sensu. Ainda que a interdisciplinaridade e o diálogo
permanente com diversas áreas do conhecimento sejam características intrínsecas
à área, em todas as recomendações das Reparqs e, mais explicitamente, na V Reparq,
insiste-se e persiste-se na reformulação da classificação da Arquivologia nas
tabelas de conhecimento da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), que atualmente a subordinam à Ciência da Informação
(Venâncio; Silva; Nascimento, 2018, p.13).
Conjuntamente,
como também recomendam todas as Reparqs, mostra-se crucial estimular o ingresso
de arquivistas na docência. Tais avanços vem ocorrendo, porém, em marcha lenta.
Não foi criado mais nenhum curso de mestrado em Arquivologia e ainda são poucos
os arquivistas que enveredam pela carreira acadêmica.
Há,
contudo, que comemorar a produção científica com temáticas arquivísticas. Ainda
que em parte seja realizada em programas de pós-graduação de outras áreas,
transparece o esforço e o empenho de docentes e discentes em realizar pesquisas
de qualidade voltadas para estudos teóricos, epistemológicos e empíricos que
têm inclusive sido reconhecidos e premiados por agências de fomento à pesquisa,
associações científicas e instituições arquivísticas e universitárias. Em
levantamento no catálogo de teses e dissertações da CAPES, foram identificadas,
entre 1972 e 2018, 661 pesquisas de mestrado e doutorado, sendo 39 do Programa
de Mestrado Profissional criado na UNIRIO em 2012[i].
Em
2013, durante a III Reparq, pela primeira vez foi realizada a eleição por este
coletivo para um representante (titular e suplente) das entidades mantenedoras
de cursos de Arquivologia no Conselho Nacional de Arquivos (Conarq).
Recentemente, em 2020, instituiu-se nova composição dos conselheiros do Conarq
e uma nova designação da representação, abrangendo representantes de
“instituições de ensino e pesquisa, organizações ou instituições com atuação na
área de tecnologia da informação e comunicação, arquivologia, história ou
ciência da informação”. Nesta nova composição, o Fórum obteve um aumento de um
para dois representantes da área de Arquivologia (titular e suplente) no
Conarq.
A
arquivologia brasileira, como expressa a literatura científica da área no país,
passou a realizar uma autoavaliação, voltando-se não apenas para o seu objeto –
os arquivos e os documentos de arquivo – mas tornando-se objeto de si mesma, ao
investigar a sua própria trajetória como ciência ou disciplina científica. Na
construção deste campo científico, multivocal e multilinear, pautado
principalmente por atores e conhecimentos produzidos nas universidades, é que
se delineia a necessidade de uma associação científica. Sobre o assunto já
foram criados dois grupos de trabalho, escritos dois capítulos de livros,
porém, segue sem previsão a criação de uma entidade científica representativa
da área que substituiria o Feparq, conforme indicado na II Reparq. Este tema
também merece ser pauta para uma análise mais específica e aprofundada sobre os
desafios dos movimentos associativos na atualidade.
Os
arquivos, os arquivistas, e os demais profissionais da informação que trabalham
na área, certamente continuarão tendo muitos desafios pela frente. O ensino e a
pesquisa em Arquivologia também. Diante de tantas adversidades, porém,
espera-se que o coletivo de docentes e pesquisadores tenham vida longa e
produtiva. Ainda não se sabe como acontecerá a VII Reparq, se presencial ou
virtual, mas já se pode inferir que novos temas, e alguns outros talvez um
pouco esquecidos, brotarão do isolamento físico e da vontade do saber
arquivístico coletivo.
Referência:
BARROS,
Thiago Henrique Bragato; SANTOS JR, Roberto Lopes dos; CÂNDIDO, Gilberto Gomes
(Org.) A pesquisa e o ensino em Arquivologia: perspectivas na era digital.
Belém: UFPA, 2019. Livro eletrônico.